17/05- Ensino de Língua Portuguesa para alunos surdos
Ensino de Língua Portuguesa para alunos surdos
Por Luciana Ferreira Leal
Aos sete anos, eu falava, mas sem saber o que dizia. Com os sinais [...] tive acesso a informações importantes: os conceitos, a reflexão; a escritura tornou-se mais simples, e a leitura também.[...] Posso reconhecer a cara de uma palavra! E desenhá-la no espaço! E escrevê-la! E pronunciá-la! E ser bilíngüe!
Emanuelle Laborit, 1994
Inicialmente, devo considerar, que a Língua Portuguesa é a segunda língua do aluno surdo. A primeira língua do surdo é a Língua Brasileira de sinais.
No que diz respeito à História da educação de surdos, depois do oralismo (necessidade de se aprender a “falar”, treinamento da leitura labial e acorrentamento das mãos) que durou 100 anos, e após a comunicação total, que propõe o uso de todo e qualquer método de comunicação para permitir que a criança surda adquira linguagem, surge o Bilingüismo. A abordagem bilíngüe busca remover a atenção da fala e concentrar-se no sinal. O objetivo é o de que o surdo compreenda e sinalize fluentemente bem sua Língua de Sinais, e domine a escrita e leitura do idioma da cultura em que está inserido.
O Decreto Federal, nº 5626/2005, estabelece que os alunos surdos sejam submetidos a uma educação bilingue, na qual a Língua Brasileira de Sinais é a primeira Língua e a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, a segunda.
O reconhecimento de que a Língua de sinais possibilita o desenvolvimento do surdo em todos os seus aspectos – cognitivo, sócio-afetivo-emocional e lingüístico – somado à reivindicação de comunidades de surdos quanto ao direito de usar a língua de sinais, tem levado, nos últimos anos, muitas instituições a adotarem um modelo bilíngüe na educação de surdos. Neste modelo, a primeira língua é a de Sinais, que dará o arcabouço para a aprendizagem da segunda língua, o Português, no caso dos surdos brasileiros.
A Língua Brasileira de Sinais é uma língua de modalidade visuo-espacial, com estrutura lingüística diferente da Língua Portuguesa, sendo completa como qualquer língua oral. É a língua natural das pessoas surdas. É adquirida naturalmente a partir do contato com falantes dessa língua.
Diferentemente das crianças ouvintes, que aprendem a Língua Portuguesa em casa, na interação com a família, a maior parte dos surdos[1] vai aprendê-la na escola. Por não terem acesso à linguagem oral, normalmente, as crianças surdas são privadas de situações que as crianças ouvintes vivenciam diariamente e que respondem pela aquisição do seu conhecimento, tais como conversas com a família, leitura e contação de história.
Segundo Svartholm (1998), a única forma de assegurar que os textos se tornem significativos para os alunos surdos é interpretá-los na língua de sinais, em um processo semelhante ao observado na aquisição de uma primeira língua. A pesquisadora destaca a
importância de ler para as crianças surdas desde pequenas. Pode-se contar (e depois ler) uma história na língua de sinais e mostrar a escrita e as imagens para que as crianças relacionem o conteúdo ao escrito, ainda que não sejam capazes de ler sozinhas. Quando começam a ler, as crianças leem o texto junto com seus professores e explicam seus conteúdos na língua de sinais.
O ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos deve levar em consideração que a surdez dificulta, no entanto, não impede o aprendizado da Língua Portuguesa. As dificuldades que os alunos surdos geralmente apresentam na escrita não decorrem da surdez, mas do pouco conhecimento que têm da Língua Portuguesa. A Língua Portuguesa é segunda língua para os alunos surdos, e, por isso, requer a aquisição da Língua Brasileira de Sinais, sua primeira língua.
O ensino da Língua Portuguesa na escola deve contemplar a modalidade escrita que, por ser acessível à visão, é considerada fonte necessária para que o aluno surdo possa constituir seu conhecimento sobre a Língua Portuguesa. O processo de aprendizado da Língua Portuguesa pelos alunos surdos é mais demorado e pode não chegar, necessariamente, aos mesmos resultados.
Para que o desenvolvimento lingüístico aconteça, é necessário que alunos surdos tenham a oportunidade de aprender a Língua de Sinais desde cedo[2], assim eles terão a oportunidade de desenvolver seu potencial mais rápido e entrar com mais facilidade no mundo da leitura e escrita.
Os alunos surdos precisam tornar-se leitores na língua de sinais para se tornarem leitores na língua portuguesa.
Em consonância a Ronice Muller de Quadros (2006, p.32), o ensino da língua de sinais é um processo de reflexão sobre a própria a língua que sustenta a passagem do processo de leitura e escrita elementar para um processo mais consciente. Esse processo será a base para o ensino da língua portuguesa que pode se dar paralelamente. Quando a criança lida de forma mais consciente com a escrita, ela passa a ter poder sobre ela, desenvolvendo, portanto, competência crítica sobre o processo.
REFERÊNCIAS
FERNANDES, E. Linguagem e surdez. Porto Alegre, RS: ArtMed, 2003.
GOÉS, M.C.R. Linguagem, surdez e educação. Campinas, SP: Autores Associados, 1996.
Leitura, escrita e surdez. Secretaria da Educação, CENP/CAPE; organização, Maria Cristina da Cunha Pereira. – 2 ed. São Paulo: FDE, 2009
Quadros, Ronice Müller de. Idéias para ensinar português para alunos surdos / Ronice Muller Quadros, Magali L. P. Schmiedt. – Brasília : MEC, SEESP, 2006.
SALLES, H.M.M.L.; FAULSTICH, E.; CARVALHO, O.L.; RAMOS, A.A.L. Ensino de Língua Portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica. Vol. 2. Secretaria da Educação Especial. Brasília: MEC/Seesp, 2002.
São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem para Educação Infantil e Ensino Fundamental: Língua Portuguesa para pessoa surda / Secretaria Municipal de Educação – São Paulo: SME / DOT, 2008.
[1] 95% de crianças surdas são oriundas de famílias ouvintes.
[2] Defendo a aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais mesmo aos surdos que se submeteram ao implante coclear, porque acredito que a LIBRAS nunca é menos, é, na verdade, sempre mais.
Os pais, assim que descobrem que o filho é surdo, deveriam estudar e aprender LIBRAS para terem condições de participar (e auxiliar no desenvolvimento) de comunicação efetiva com as crianças.
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[1] Defendo a aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais mesmo aos surdos que se submeteram ao implante coclear, porque acredito que a LIBRAS nunca é menos, é, na verdade, sempre mais.
Os pais, assim que descobrem que o filho é surdo, deveriam estudar e aprender LIBRAS para terem condições de participar (e auxiliar no desenvolvimento) de comunicação efetiva com as crianças.
Luciana Ferreira Leal - Mestre em Letras pela Universidade Estadual de Londrina, UEL, Paraná e Doutora em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, São Paulo. Professora da Graduação e Pós-graduação das Faculdades FACCAT. Possui cursos sobre Educação Especial: Altas Habilidades, Deficiência Intelectual, Língua Portuguesa para Surdos e Atuação do Intérprete.